Fenomenologia e Cultura

A relação entre Fenomenologia e Cultura é o tema deste I Colóquio Internacional, com a correspondente expressão no seu tema reitor. O tema da Cultura esteve sempre no horizonte fundador da própria Fenomenologia, que tem em Husserl a sua figura seminal. Essa filiação tem tradução direta não apenas na definição da problemática da Fenomenologia, senão também na circunscrição do seu método próprio. As aproximações são muitas e de diversa ordem: entre muitas outras possibilidades, estão a conhecida fórmula husserliana do Zu den Sachen Selbst, a crítica à atitude natural, a desconstrução de uma praxis científica impregnada na euforia naturalista que “coisifica” a consciência ou a emergência de uma cultura filosófica outra, na qual possa projetar-se um projeto alternativo de Europa e numa nova imagem do humano, assim resgatado à vexatória condição de simples entidade mundana, um facto entre factos. A construção desta nova imagem do humano, que pode, aliás, ser tomada como fio condutor para ler algumas das principais decisões teóricas de fundo da Fenomenologia ainda identificada com a opções do seu fundador, é o que torna irreversível este vínculo entre Fenomenologia e Cultura, vínculo que penetra profundamente as várias camadas de sentido em que os próprios relata se vão paulatinamente constituindo. Do lado da Cultura, a investigação da multiplicidade dos seus fenómenos enfrenta hoje uma situação similar àquela que definiu o “começo” da Fenomenologia: a sua interpretação como simples facto mundano, como coisa – v.g. património – constitui, na atualidade, fonte de embaraços de toda a sorte, levando a investigação permanentemente à pantanosa casa de partida e à pergunta “de que falamos quando falamos de Cultura?”. Nesse contexto, a própria Cultura parece, mais do que nunca, solicitar um “regresso às coisas mesmas” que nos permita desconstruir, denunciando-os, os limites da atual investigação científica e dos seus jogos de linguagem quando são dirigidos aos fenómenos culturais.

Estas aproximações, que aqui se pretendem simplesmente insinuar, são possíveis em toda a extensão do perímetro da Fenomenologia, privilegiando, outrossim, abordagens muito distantes das opções aqui identificadas com o seu fundador. Nesse espaço amplo e heterogéneo dos autores que cabem no campo da filosofia fenomenológica são bem-vindos, obviamente, contributos como os de Hans Blumenberg para uma filosofia compreensiva da Cultura, o debate que contrapôs uma espécie de filosofia transcendental da/para a Cultura, protagonizada por Ernest Cassirer, aos modelos vitalistas da interação de Georg Simmel, entre muitíssimas outras possibilidades que aqui não se sinalizam para que possam elas ser livremente identificadas pelos investigadores que entendam acolher o nosso convite à participação.

Urbano Sidoncha / Olivier Feron

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