Colóquio Internacional «Religião e Violência»
INTRODUÇÃO
Desde o 9/11, pelo menos, que a Religião se colocou brutalmente no centro da nossa vida e cultura contemporâneas, mostrando cruamente a ambiguidade atávica que a constitui desde a noite dos tempos.
Poderemos e deveremos auscultar, relendo-os a esta luz, os antigos Mitos e Textos fundadores (o Enuma Elish, a Bíblia, a Bhagavad-Gîta, Al-Corão, etc.), que reclamando-se de uma Outra voz, justificam e introduzem um Absoluto violento na convivência humana. Foram e são inúmeros os textos do Antigo (e até do Novo) Testamento que mobilizaram e mobilizam apropriações e releituras interesseiras, xenófobas, violentas, apologias da guerra e de razias, de que o Estado Islâmico ou a mudança de Embaixada dos EUA, em Israel, de Telavive para Jerusalém são apenas exemplos recentes. Já muito para lá de A Religião nos Limites da Simples Razão e o seu reducionismo ético, do «ópio do povo», da «genealogia da Moral / morte de Deus», da «neurose colectiva», etc., importa refazer hoje, em novos moldes, a crítica da práxis religiosa.
Há espaço e lugar para muitos enfoques: como esquecer o que a Mitologia e a Simbólica nos podem dizer ainda sobre a Guerra dos Pandavas, o combate entre Marduk e Tiamat, a Cólera de Aquiles, ou ainda História sobre os primeiros 100 anos do Islão (guerra sobre guerra, continuamente) e a passagem do cristianismo, no século IV, de religião perseguida a perseguidora, e, depois, as apropriações e legitimações históricas da Guerra Justa, do antissemitismo, da perseguição aos heréticos, desde Agostinho à Literatura do séc. XVII, e para lá dele (sob outros nomes, hoje), apesar do kantiano sonho da Paz Perpétua. Assim, tanto a História como a Filosofia, a Fenomenologia, da Teologia Política, a Literatura (Dumézil, Mito e Epopeia; Ricoeur, Temps et Récit, etc.) podem dar as mãos nesta investigação. As possibilidades são tantas que o desafio aqui é mesmo a contenção.
Como não recordar outras coisas, quando, há tempos, no Centro da Europa, na Áustria o líder do partido conservador (ÖVP), Sebastian Kurz, tenha engolido de bom grado a declaração de «guerra ao Islão» do seu número dois do Governo, Heinz-Christian Strache, da extrema-direita (FPÖ). 1536 ainda mexe em Viena... A religião tem futuro, algum dele bem negro. O homo religiosus é também homo periculosus. Mormente quando mobilizado pelo não-religioso. E "retornos do religioso" (Vatimo, etc.) há muitos, uns sacralizantes (Heidegger et al), outros secularizantes, outros já pós-secularizantes...
E como esquecer, por outro lado, que no extremo do extremismo xiita iraniano, tenha brotado (séc. XIX) o mais radical movimento pela não-violência no Islão, as comunidades Bahá-í? Como esquecer tantos e tantos esforços que hoje (Ecumenismo, Ética Mundial de Hans Kunh, de recorte kantiano, Espírito de Assis, New Age, Ecologia do Oikos comum, aprofundamento sapiencial, em Ricoeur, etc....) e sempre (Sermão da Montanha, Francisco de Assis, Nicoalu de Cusa, J. Locke, Mandela, etc.), se fizeram contra a exegese belicosa, electiva, xenófoba e fanática dos textos religiosos? E as radicalizações acontecem em todos os quadrantes, não só entre os fundamentalistas islâmicos (veja-se na Igreja Católica as reacções a Francisco, ou o recrudescimento dos Evangélicos fideístas e criacionistas nos EUA e no Brasil, onde só esperam uma oportunidade para assaltar o Palácio do Planalto...).
Ademais, como compreender que uma das maiores expressões de inteligência e autotranscendência, o Humor, e uma das grandes reservas críticas face ao destempero das desrazões públicas (política, religiosa, económica, social, mediática, ...), sob o princípio da liberdade de expressão, tenha resvalado, v.g., no caso do Charlie Hebdo, e vindo a quebrar todos protocolos tácitos (na pior esteira de Voltaire), tornando-se também ele factor de violência -- não apenas que no provoca por reacção, mas no que ele mesmo protagoniza simbolicamente, v.g., no caso Aylan. Isto abre caminho a reflexões e estudos interessantes que podem ser feitos, com trabalho de campo, sobre a relação entre Humor e Religião, o Espaço Público (le voile... em França), a Política, Liberdade de culto, etc.
Por tudo isto, e mais no que houver para reflectir, a religio pode e deve ser objecto da epistême.
ORGANIZAÇÃO: José Rosa, António Bento, José A. Domingues, António Amaral
PROGRAMA
Dia 29 Novembro, quinta-feira, 14:30 -18:30h
Moderação do painel: Prof. José Manuel Santos
JOSÉ ROSA, Religião e Violência. Problematicidade de um nexo
ARTUR MORÃO, Religião entre a paz e a violência: Linhas da reflexão actual
ANTÓNIO DIMAS DE ALMEIDA, Da transcendência de uma hierofania à imanência de uma religião. Para uma hermenêutica da violência religiosa
SAMI ALDEEB, La violence dans l'islam: diagnostic et thérapie
Dia 30 Novembro, sexta-feira, 09:00 -13:00h
Moderação do painel: Prof.ª Ana Leonor Santos
ANTÓNIO AMARAL, Monoteísmo(s) e Violência: da força do sagrado à sacralização dos poderes
ALFREDO TEIXEIRA, Da génese ao contexto, da violência ao conflito
ANTÓNIO MARUJO, Religiões e conflitos: não-violência activa, Europa e média contra a traição aos nomes de Deus
DONIZETE RODRIGUES, Durkheim Revisitado: religião, anomia e a génese da violência
Dia 30 Novembro, sexta-feira, 14:30 -17:30h
Moderação do painel: Prof. David Santos
PAULO MENDES PINTO, Entre língua e linguagem: a religião na confluência das grelhas mentais e dos Textos Sagrados
JOSÉ DOMINGUES, O Sacrifício como questão do Sagrado
JOSHUA RUAH, Religião e Violência, Fé e Organizações Religiosas