Jornadas "Secularização"

13 e 14 de Novembro de 2014

O substantivo saeculumé termo de uso reconhecidamente antigo. Servindo para designar século, idade, era, no sentido daquele intervalo de tempo que marca uma geração(“sementeira”) humana, manifesta aqueloutra polaridade imemorial entre tempo sagradoe tempo profano, que nos aparece já na admonição de Paulo na Carta aos Romanos (12, 2: «Nolite conformari huic saeculo, sed transformamini renovatione mentis...» / «Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da mente…». É nesse sentido que, durante séculos, a entrada em religião (profissão religiosa) foi dita saída do século. Já o adjectivo saecularis aparece-nos muitas vezes na Idade Média quer para designar tanto o modo de vida de clérigos sem Regra monástica (os que tinham Regra chamavam-se regulares) dedicados à cura paroquial das almas, como o poder temporal dos senhores feudais e dos reis (potestas saecularis) face ao poder espiritual do papa (potestas spiritualis). Por comparação, a noção de saecularisatio(secularização)é mais recente. Surgiu no princípio do séc. XVI para designar, em direito canónico, a passagem clérigo regular a clérigo canónico, ou seja, com o significado de exclaustração, a redução à vida laical de alguém que tivesse recebido ordens sagradas ou professado uma regra conventual ou ainda a expropriação de bens eclesiásticos em favor dos príncipes ou das igrejas nacionais reformadas.  Mas, a partir daqui, e de um modo que se diria viral, as acepções e os sentidos do termo multiplicam-se e disseminam-se pela História, Sociologia, Filosofia, Direito, Economia, gerando geometrias variáveis e apreciações que chegam por vezes – dadas as antinomias que as constituem – ao “diametralmente oposto” e ao “paradoxalmente coincidente”. É manifestamente o caso dos vivos e intensos debates do século XX em torno da categoria de «secularização», nos quais se envolveram e empenharam, cada um a seu modo, autores da grandeza de Karl Löwith, Hans Blumenberg, Carl Schmitt e Leo Strauss.  No sentido geral que este termo adquiriu – quer no seu uso metafórico enquanto instrumento de uma “política das ideias”, quer na função estratégica que desempenha na história e cultura modernas – pode dizer-se que a noção de «secularização» é uma categoria hermenêutica que procura traduzir o processo global de emancipação – filosófica, ética, política, jurídica, económica, social – da Modernidade de qualquer tutela religiosa e transcendente, reivindicando o direito de organizar a vida civil dentro dos «limites da simples razão». Mas não terá sido este processo, que na versão da «secularização» de Max Weber corresponde a um «desencantamento do mundo» e a uma mundanização da ascese puritana na ética capitalista do trabalho, apenas uma metamorfose ainda religiosa de um élansecularizador que se encontra já no judaísmo e, de um modo especial, nos evangelhos? Terá porventura razão Ernst Kantorowicz quando sustenta que na transição da Igreja tardo-medieval para o Estado protomoderno ocorreu «não uma secularização da esfera espiritual, mas uma espiritualização da esfera secular»? Ou será antes Carl Schmitt quem, numa estratégia inversa à de Max Weber, perscruta rigorosamente o problema quando afirma: «Todos os conceitos pregnantes da doutrina moderna do Estado são conceitos teológicos secularizados. Não apenas segundo o seu desenvolvimento histórico, porque foram transpostos da teologia para a doutrina do Estado, mas também – na medida em que, por exemplo, o Deus todo-poderoso se tornou no legislador omnipotente – na sua estrutura sistemática, cujo reconhecimento é necessário para uma consideração sociológica destes conceitos»? Mas, será que não deveremos inverter o célebre “teorema da secularização” de Carl Schmitt e afirmar antes: «Todos os conceitos pregnantes da teologia são conceitos políticos teologizados»? Ou a «secularização», afinal, como a concebe, por exemplo, Giorgio Agamben, não é, nem nunca foi, verdadeiramente um conceito, mas antes aquilo que Michel Foucault descreveu como uma «assinatura», isto é, uma espécie de dispositivo que transfere e desloca os conceitos e os signos de uma esfera para outra (neste caso do «sagrado» para o «profano» e vice-versa), sem os redefinir semanticamente, de modo que a «secularização» actuaria no sistema conceptual da Modernidade como uma «marca» ou «assinatura» que o vincula indissoluvelmente à teologia: «A assinatura teológica age aqui como uma espécie de trompe l’œil, em que justamente a secularização do mundo se torna na contra-senha da sua pertença a uma oikonomia divina»? Neste caso, o que estaria verdadeiramente em jogo no debate travado no final dos anos sessenta do século XX entre os autores acima elencados não seria tanto a «secularização» quanto a «filosofia da história» e a «teologia cristã» que está na sua base. Nesta hipótese, o cristianismo não seria «a religião da saída da religião» (Marcel Gauchet). Ao invés, seria a própria «economia» moderna (e já não apenas ou não sobretudo a política), seria em todo o caso uma «economia» moderna de que a “verdade” estabelecida pelas regras do «mercado» é o necessário efeito, que se constituiria como um paradigma teológico secularizado retroagindo sobre a própria teologia. Dito de outro modo, a teologia cristã, sob a forma trinitária, seria desde o início marcadamente “económica”, não se tornando “económica” apenas posteriormente através do processo da sua «secularização», pois que a própria teologia cristã implica que a vida divina e toda a história da humanidade desde os seus começos sejam concebidas como uma oikonomia divina. Como quer que seja que a entendamos (como «teologia política» ou como «teologia económica»), poderá a «secularização» querer significar que o projecto da Modernidade está, afinal por cumprir, que a Modernidade, bem vistas as coisas, se revela como um processo inacabado? Formulando a questão de outro modo: será que na pós-modernidade se assiste a uma espécie de “vingança” contra a Modernidade, que dá azo a discursos e a práticas variadas de dessecularização? Terá neste caso razão Fernando Catroga quando afirma – contrariando a concepção da modernidade de Hans Blumenberg – que a «secularização», entendida como «uma transferência do conteúdo, dos esquemas e dos modelos elaboradosno campo religioso, para o campo profano, acaba por relativizar a novidade radical dos tempos modernos, assim reduzidos à condição de herdeiros,não obstante todas as suas ilusões de auto-fundação»? É certo que as instituições tradicionais da crença e de produção de sentido, muito em especial as Igrejas e os Estados (na medida em que se suportaram mutuamente), não mais são os detentores da produção simbólica. Mas a religião, o sagrado e outras formas de legitimação transcendente não desapareceram: metamorfosearam-se e reocuparam outras áreas da vida. Eis a razão por que, caso não se tenha a acuidade e a sensibilidade para perceber a «assinatura» teológica (em chave política ou em chave económica) da «secularização», seguindo pacientemente as mudanças e as deslocações que ela efectua permanentemente na história das ideias, a simples rememoração cronológica do seu conceito, ficando aquém de uma genealogia da sua «assinatura», pode ser incompleta e insuficiente. Ao contrário dos muitos manifestos sobre o sentido da terra e da recusa em organizar a vida política e social a partir de qualquer sagrado, vemos que o sonho das Luzes não apenas não se cumpriu, como se obscureceu significativamente. Daí uma pergunta – entre tantas outras possíveis – que o presente colóquio se propõe formular, e à qual, se possível, ele deve procurar responder: «– Que sentido ainda para a “secularização”?» «– É a “secularização” uma categoria de leitura caduca?» «– Ainda tem futuro?» «– Que futuro?» 


Programa 
13 Novembro 

12:45 – Recepção dos Convidados (Sala dos Conselhos, Pólo I da UBI)

13:00 – Almoço

14:30  Início dos Trabalhos 
Sessão de Abertura 
 Reitor da Universidade da Beira Interior 
 Coordenador do IFP 
 Organizadores

14:30 – Moderador: José Manuel Santos 
Jaume Aurell – Universidad de Navarra (Espanha) 
«Constantino (306-337): entre el emperador-sol y el emperador-obispo»

15:30 – José Maria da Silva Rosa - Universidade da Beira Interior (Portugal) 
Da evangélica secularização

16:30 – António Bento - Universidade da Beira Interior (Portugal) 
«A secularização do corpus mysticum da Igreja na persona mystica do Estado: Carl Schmitt e Ernst Kantorowicz»

17:30 – 18:00: Intervalo

18:00 – Moderador: José António Domingues  
José Antônio Camargo de Souza - Universidade Federal de Goiás/Instituto de Filosofia da FLUP (Brasil) 
«Antes que Houvesse Clérigos»

Lançamento do livro Sobre o governo cristão, de Tiago de Viterbo.

19: 00  Encerramento dos trabalhos 

20:30  Jantar


14 Novembro

09:30  Início dos Trabalhos
Moderador: José Maria da Silva Rosa

09:30 – Montserrat Herrero, Universidade de Navarra (Espanha) 
«Profecía y pronóstico: la “secularización” de la expectativa histórica»

10:30 – Pedro Villas Boas Castelo Branco, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil)  
«A luta contra os poderes invisíveis: a secularização do político em Thomas Hobbes e Carl Schmitt»

11:30 - 12:00  Intervalo 

12:00 – Alexandre Franco de Sá – Universidade de Coimbra (Portugal) 
«Um, dois, três: reprodução, queda e autonomia como sentidos da secularização»

13:00  Encerramento dos Trabalhos

13:15  Almoço 

14:30  Início dos Trabalhos 
Moderador: António Bento 

Genildo Ferreira da Silva, Universidade Federal da Bahia (Brasil) 
«A Secularização e a religião como essenciais ao homem» 

15:30 – André Barata, Universidade da Beira Interior (Portugal) 
«O fenómeno hodierno do "pós-secular"»

16:30 – José António Domingues, Universidade da Beira Interior (Portugal) 
«Condição Pós-secular. Ponto de Vista Figural»

17:30: Encerramento dos Trabalhos
António Bento, José Maria da Silva Rosa, José António Domingues  
Support:
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