Actualidade de Maquiavel
Terá Maquiavel fundado a análise da política moderna? E terá também Maquiavel estabelecido, de um modo eficaz e duradouro, as regras da própria comunicação política moderna?
A possibilidade de uma resposta positiva a estas perguntas obriga a uma reflexão sobre o alcance epistemológico e o significado político destes dois pressupostos. Ora, uma tal reflexão é tanto mais necessária quanto mais o controlo político da comunicação é hoje um assunto de agenda, um assunto, em todo o caso, suficientemente sério para que possa ser entregue, sem mais, nas mãos dos seus profissionais - tanto nos da política como nos da comunicação política.
Seja como for, e independentemente do sentido das respostas atribuído a estas duas questões, o pensamento político de Maquiavel é uma referência obrigatória sempre que o cientista político procura estabelecer quer as condições de possibilidade da comunicação política moderna quer - sobretudo em sociedades altamente mediatizadas - as diferentes modalidades do seu exercício. Com efeito, da gestão astuciosa das aparências à construção artificiosa da reputação; do governar com o apoio do povo e/ou dos grandes à condução da opinião pública e/ou publicada; do quebrar estratégico da palavra dada ao encobrimento da inobservâcia das promessas; do uso/abuso do segredo (reserva, dissimulação, simulação) ao uso ilícito da mentira: da construção da imagem pública política como visibilidade sem transparência ao uso comunicacional do escândalo (mediático, político, financeiro), levanta-se hoje todo um complexo de questões que assombram, quais espectros, o espelho político no qual o actual «Estado de Direito» - cioso da supremacia política do seu «Princípio da Publicidade e da Transparência» - gosta de se ver reflectido.
Revisitando a obra política de Maquiavel, as presentes jornadas visam interpelar aqueles pressupostos do «maquiavelismo» que se mantêm presentes e vivos - sob formas novas, é verdade - na política de hoje. Pergunta-se: constitui a actual ocupação da estrutura institucional do «estado de Direito» pelos partidos políticos uma prova inequívoca da "necessidade" das práticas políticas «Maquiavélicas»? Em que medida e até que ponto vigora ainda o «Maquiavelismo» sempre que se trata de transformar e de adaptar a doutrina clássica da «razão de Estado» às necessidades das democracias representativas contemporâneas? O que é que o novo poder sacerdotal dos media, mudando a todo o momento a direcção política do ressentimento e promovendo uma democracia directa virtual, faz, afinal, aos pressupostos clássicos da democracia representativa? De que modo, enfim, a mediatização da política contemporânea, dramatizando, encenando e espectacularizando as expectativas dos cidadãos, actualiza e intensifica as técnicas maquiavélicas de exercício do poder?
Enfim, todas estas - e muitas outras - são, sem dúvida, questões que a «Actualidade de Maquiavel» vem despertar, questões que obrigam a um esforço de reflexão genuinamente político. Eis a razão por que a fim de sabermos exactamente a que ponto o «Estado de Direito» hodierno se afastou realmente de Maquiavel é necessário que avaliemos primeiro, e escrupulosamente, o que nos custa, a nós, seus contemporâneos, esse afastamento, o que pagamos, afinal, por ele. É pois, necessário que saibamos até onde, de maneira talvez insidiosa, Maquiavel se aproximou de nós e das práticas políticas e comunicacionais do nosso «Estado de Direito», é necessário que este apure o que há ainda de «maquiaveliano» naquilo que lhe permite pensar contra Maquiavel. Por fim, é necessário que se avalie também em que medida é que o protesto moral do «Estado de Direito» contra Maquiavel não será talvez ainda uma armadilha que o próprio Maquiavel lhe estendeu - uma armadilha de onde ele, Maquiavel, maliciosamente o espreita e observa.
UBI, Pólo I, Sala dos Conselhos